quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Filho 10



Agora ele não anda mais no banco de trás do carro. Vai ao meu lado, às vezes com o braço apoiado na porta, óculos escuros, controlando o som. Gosta dos Beatles mais que tudo, mas também curte muitas outras coisas, Santana, Tim Maia, Joe Cocker, além de estar antenado no som pop americano.

Adora zoar e reclamar. Como reclama! Mas mostra um senso de justiça que eu espero o acompanhe a vida inteira. Um dia desses fomos ao estádio ver um jogo do Fluminense e ele esperava pelo intervalo para comer pipoca. Quando fomos comprar tinha acabado. Tome reclamação, ficou indignado, revoltado com “eles”. Mas foi bem claro comigo: “Pai, coitados dos caras que atendem, eles não têm culpa de nada, só levam as broncas”.

Lamento apenas a preguiça. Se deixar passa o dia entre televisão e jogos no iPad ou Xbox. Para leva-lo à praia ou andar de bicicleta é preciso ir na marra. Só não tem preguiça se o negócio for cinema e pipoca, Beto Carrero, Beach Park, Disney ou ir passar um final de semana em um hotel na Pipa.

Tenho muito orgulho de ser pai desse cara, equilibrado, obediente, justo e carinhoso. Às vezes até esqueço que ele tem a idade que tem. Meu filho, meu amigo, meu parceiro de viagens e de diversão.

Pedro hoje completa 10 anos.

Zé Mauro Nogueira



segunda-feira, 28 de julho de 2014

Um país ainda mais pobre

A maior pobreza do Brasil não é material. É de espírito: educação, cultura, civilidade. E nesses últimos dias o país ficou ainda mais pobre com a morte de João Ubaldo Ribeiro e Ariano Suassuna.

A pobreza material vem diminuindo. Gostemos ou não, a política de redistribuição de renda adotada pelos governos do PT vem se mostrando efetiva no meio de tantos desacertos. Pelo menos até este momento. E é visível pelos números, pelo menos para os que não se deixam cegar pela ideologia ou pelo preconceito.

Mas a pobreza de espírito, essa, infelizmente, só me parece crescer. Nesse aspecto nenhum governo parece ser capaz de propor qualquer política que comece a mudar o quadro, que gere, ao menos, um ponto de inflexão.

Cotidianamente esta sociedade interage baseada em conceitos equivocados. A falta de respeito às regras e ao que é coletivo, em minha opinião, é a maior chaga. Não vejo nisso um problema de educação formal ou de condição socioeconômica, os que estão no topo da pirâmide social talvez sejam os mais avessos a seguirem as regras.

No elevador, no trânsito, na praia, na piscina de um hotel, em uma fila de restaurante, em qualquer lugar, reina o abominável “jeitinho brasileiro”, uma solidificada tendência à falta de educação, à desconsideração do outro, ao desejo de levar vantagem.

Intelectualmente parece que estamos voltando à idade média. O sistema de ensino é reflexo de nossa ideia mãe de levar vantagem em tudo: estudar pouco, esforçar-se pouco e ainda assim sairmos educados e qualificados de anos a fio de escolas e universidades. Uma mágica! Uma vez diplomados, ainda que medíocres, bradamos em favor de nossos direitos, de nossas oportunidades, de um apoio governamental. Ou divino. Somos um país que nega, mas adora o paternalismo estatal, o que expõe outro traço marcante de nossa gente. Deus dará!

Um país que não lê, que não sabe mais escrever, que não privilegia nem valoriza o conhecimento ou a cultura. Um país de televisão e de televisão de péssima qualidade. Suassuna e Ubaldo eram mestres. Suassuna na construção de personagens, Ubaldo no domínio da técnica e do estilo literário. Gente que pensava, que se opunha às opiniões gerais, ao senso comum.

O Brasil está ainda mais pobre, de espírito.


Zé Mauro Nogueira


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Inveja

Tempos de assumir pecados e defeitos. Um deles é a inveja, ainda que quase sempre ligada à arte, nunca a coisas materiais. Invejo Ruy Guerra pelo texto abaixo, que eu gostaria muito de ter escrito. Assumo e publico:

Sabe, no fundo eu sou um sentimental.
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo ( além da sífilis, é claro). Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora...

Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto,
De tal maneira que, depois de feito,
Desencontrado, eu mesmo me contesto.

Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito,
Me assombra a súbita impressão de incesto.

Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa,
Mas meu peito se desabotoa.

E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa,
Pois que senão o coração perdoa.

Ruy Guerra


Postado por Zé Mauro Nogueira, um invejoso




Murilo - amigo

Já melhorei muito, mas nunca fui um tipo fácil no trabalho. No meu modo de ver, objetividade e exigência pelo melhor; no modo de ver dos outros, arrogância e intolerância. Não há uma verdade, apenas pontos de vista diferentes.

Lá pelo início da década passada trabalhei com uma empresa de assessoria de imprensa formada por duas sócias. Uma delas (ou as duas rs) claramente não ia com a minha cara. E eu a achava meio de nariz empinado também, confesso. Mas nada de sério, apenas uma tensão leve no ar.

Alguns anos depois, estou num bar tomando um whisky com um amigo, discutindo qualquer coisa filosófica, quando um sujeito sentado no balcão interfere, acho que dá uma risada, não lembro mais. Meu amigo, que já o tinha visto não sei onde, o convida para a mesa.

Papo bom, conversa vai, conversa vem, o intruso vira pra mim e pergunta – Você é o Mauro que trabalhava na Liga? – Putz, pensei, lá vem bomba, quer ver? – Eu sou o Murilo, ex marido de beltrana, que fez assessoria de imprensa pra Liga, lembra?


Dei um sorriso amarelo e pensei que já era, a conversa ia azedar. Mas, para minha surpresa e alívio, o cara era do bem total e anos passados desse dia, continuamos a tomar umas e outras e a discutir a vida. Já tivemos dias melhores, mas tudo muda e um dia encontraremos a calmaria, afinal, como dizem nossos amigos, somos do bem.

Zé Mauro Nogueira


Luís Cláudio - amigo

Visão geral do meu início de 1987, segundo ano de Universidade: em recuperação de um tifo, pele e osso, pesando 66kg, com o cabelo bem ralo de tanto que caiu com as semanas de febre, sem dinheiro pra nada e sem lugar pra morar em Florianópolis. Não me lembro de ter estado tão na merda.

Quando finalmente arrumei um lugar pra ficar, num apartamento na Av. Mauro Ramos onde já moravam outros cinco caras, topei com um gaúcho aluno de educação física que virou pra mim e disse: “Bah, negão, tu tá precisando botar uma carninha nesses ossos! Vou te dar uma mão”.

A gente arrumou uma academia baratinha e passamos a caprichar na comida. O almoço era no restaurante universitário, mas à noite e pela manhã sempre tinha alguma coisa pra pesar no estômago: litros de vitaminas de banana que eram verdadeiras bombas, panelas de polenta ou de lentilha, ou qualquer outra coisa que “desse sustância”.

Em poucos meses começou a dar resultado. No corpo e na auto estima. Esse ano acabaria como um dos mais importantes da minha vida, descobri um jeito novo de me colocar no mundo e adquiri uma confiança que me acompanharia por muito e muito tempo.

O gaúcho marrento voltou para Torres e aprecia sua pacata vida mansa com a mulher e o filhote, que, finalmente, resolveu trazer ao mundo. Merecida paz, gaudério. Se ler isso daqui, obrigado por tudo!


Zé Mauro Nogueira