Imagine um gadget
que deixa você invisível, que te permite conviver com as pessoas sem ser visto,
a la Harry Potter. Talvez você nem se
dê conta, mas é provável que tenha um e use diariamente sem nem perceber. Eu
uso uma capa da invisibilidade!
Tem ficado cada vez mais claro para mim que a maioria de nós
só sai de casa usando uma delas. São pouquíssimos que se permitem ser vistos
como, de fato, são. Em público projetamos uma imagem, vivemos sob um escudo
protetor para salvaguardar nossos frágeis egos. Hologramas distorcidos
esforçando-se para serem amados e respeitados, no fundo apavorados de serem
desmascarados, revelados em sua vulnerabilidade.
A cultura do consumo, a mídia, nossos pais, todos tentam nos
vender a falsa ideia de que somos todos especiais, líderes, fodões, infalíveis!
O advento dos coaches talvez seja o
ápice disso. Você pode ser tudo o que você quiser, dizem, repetem e insistem. Querer
é poder, o sucesso está aí para todos, martelam convictos.
Mas não é bem assim. O fato é que somos todos imperfeitos, limitados,
lidando com medos e desejos biológicos contrapostos à cultura e à moral. É certo
que a maioria de nós tem algum tipo de talento, de potencialidade específica. E
descobrir e desenvolver isso talvez seja mesmo a chave para uma vida mais
completa, mas isso não torna ninguém “diferenciado” dos outros, apenas
individual, apenas diferente. Porque é isso que somos, todos diferentes e
únicos.
Essa pressão por ser o número 1, por ter sucesso, por ser
feliz 100% do tempo, tem sido forte demais, sobretudo em tempos de redes
sociais. Você precisa viajar o tempo todo, beber vinho o tempo todo, ter um SUV
novo na garagem, morar em condomínio de luxo, ter um corpo sarado e frequentar
lugares “diferenciados” (de novo e de novo entre aspas; odeio essa palavra e a
ideia por trás dela).
Penso que uma das consequências de todos usarmos nossas
capas é a quase ausência de contatos reais, de conhecimento verdadeiro dos que
nos cercam. Uma pobreza generalizada nas trocas, nos sentimentos. Com medo de
quebrarmos a cara vez por outra, acabamos vivendo assim, em milhões de tons de
cinza, ao invés das cores de Almodóvar.
Mas, quem sabe, um dia a gente troque de relíquia da morte?
Aposentemos a capa da invisibilidade e passemos a usar sem moderação a pedra da
ressurreição. E primeiro em nós mesmos!
Zé Mauro Nogueira