quarta-feira, 23 de junho de 2010

A bunda


A bunda basta-se! Disse Drummond, algo pensado, certamente, enquanto observava o rebolado das cariocas, sentado em seu habitual banco na praia de Copacabana. Em terras tupiniquins, a bunda parece mesmo bastar-se.

Somos um país de bundófilos, adoradores da entidade máxima de nossa identidade cultural, mais forte do que samba e, até mesmo, mais do que futebol. Há quem não goste de futebol ou de samba, mas de bunda, nunca vi. É a única unanimidade nacional, além de Chico Buarque, suspeita-se.

Isso diz muito sobre nós. Os americanos, pragmáticos e sem imaginação, gostam de peitos. Os europeus, sofisticados e apegados ao design, valorizam as pernas. Mas nós gostamos mesmo é de bunda, essa coisa meio engraçada, como percebeu o poeta, meio brincalhona e subversiva, que parece sempre estar mandando um recado rebolado.

Os peitos até que tentaram um contra ataque, turbinados pelo patrocínio yankee da indústria de silicone e de sua máquina de dominação cultural, mas não caíram muito no gosto do povão.

O fato é que a bunda é senhora, até porque, é vantagem competitiva sólida da mulher brasileira. Não há terra com bundas iguais, nem mesmo as tchecas ou húngaras ostentam traseiros tão belamente esculpidos. Deve ser coisa de nossa origem, mistura genética de senzala africana com os nobres salões europeus, algo que talvez fosse mais bem explicado por Gilberto Freyre.

A bunda constrói fortunas, destrói casamentos, promove ascensão social, garante sucesso corporativo, cria fama e popularidade, gera cobiça, aumenta audiência de TV, vende cerveja, perfume, sapato e até, pasmem, discos. E olha que bunda não canta, ainda que a Carla Perez quase tenha nos convencido do contrário.

E não pensem que apenas os homens adoram essa entidade poderosa. As mulheres também são devotas, seja apreciando a retaguarda masculina, seja cultivando cuidadosamente suas próprias bundinhas em academias de ginástica, valorizando-as com jeans apertados ou outras subliminares formas de destacar seu patrimônio estético-social.

Para alguns a bunda chega a ser até uma espécie de espelho da alma, traduzindo a personalidade de sua proprietária: bunda pra dentro, significaria timidez; bunda pequena, mas arrebitada, seria sinal de faceirice extrema; bunda grande representaria generosidade e por aí vai, num verdadeiro tratado bundístico que mataria de inveja qualquer estudioso de psicobiologia.

Mas nem todo mundo concorda com isso, claro. Rita Lee estampou sua contrariedade dizendo que “nem toda bruxa é corcunda, nem toda brasileira é só bunda”. Concordo. Só que falta profundidade no entendimento da questão. Claro que não é só bunda, há muito mais do que isso. Só que não basta. Já a bunda, ah, a bunda basta-se.

Zé Mauro Nogueira