Olhei pelo retrovisor e a vi parada sob o luar, sozinha, imóvel dentro da calcinha. Minhas tripas se retorceram. Me senti doente, inútil, triste. Estava apaixonado.
Charles Bukowski
Tenho mostrado ao meu filho alguns dos bons filmes lançados
nos últimos 20, 25 anos. Mais antigos que isso ele ainda torce o nariz. Um dos que eu revi
com ele recentemente foi Diário de um
Jornalista Bêbado, baseado no livro e na vida de Hunter S. Thompson.
O personagem central, Paul Kemp (Johnny Depp), é um
novelista fracassado e um jornalista bêbado escrevendo horóscopo em um
decadente jornal em Porto Rico. Em determinado momento ele diz: “não consigo
escrever como eu mesmo”.
Acho que disso se trata a arte, afinal. Encontrar a própria
voz, colocar para fora esse turbilhão de sentimentos e contradições que inunda
a alma humana. Ou pelo menos a de alguns.
Seja na literatura, na música, no cinema, onde for, não
acredito ser possível fazer boa arte sem alma, sem paixão e sem alguma dose de
angústia.
Bom exemplo é Vinícius de Moraes. Tônia Carrero traduziu perfeitamente a dinâmica do poeta ao perceber que a poesia dele dependia do precipício da paixão. De que outro jeito seria possível escrever algo assim? Amo-te como um bicho, simplesmente, de um amor sem mistério e sem virtude, com um desejo maciço e permanente. E de te amar assim muito amiúde, é que um dia em teu corpo de repente, hei de morrer de amar mais do que pude.
Qualquer coisa fora disso é só técnica, é intelecto, é racionalização, vaidade ou atividade
comercial. Não acredito em arte feita como negócio, para vender simplesmente.
Voltando ao filme, Kemp está bebendo em um pedalinho sob uma
noite de lua cheia no mar do Caribe, entregue ao seu caos cotidiano, quando
surge a espetacular Chenault (Amber Heard) nadando nua ao seu lado. Quando ela
vai embora ele sentencia desamparado: Oh,
Deus, por que ela tinha de aparecer? Eu estava tão bem sem ela!
Zé Mauro Nogueira