segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Arte e paixão


Olhei pelo retrovisor e a vi parada sob o luar, sozinha, imóvel dentro da calcinha. Minhas tripas se retorceram. Me senti doente, inútil, triste. Estava apaixonado.
Charles Bukowski



Tenho mostrado ao meu filho alguns dos bons filmes lançados nos últimos 20, 25 anos. Mais antigos que isso ele ainda torce o nariz. Um dos que eu revi com ele recentemente foi Diário de um Jornalista Bêbado, baseado no livro e na vida de Hunter S. Thompson.

O personagem central, Paul Kemp (Johnny Depp), é um novelista fracassado e um jornalista bêbado escrevendo horóscopo em um decadente jornal em Porto Rico. Em determinado momento ele diz: “não consigo escrever como eu mesmo”.

Acho que disso se trata a arte, afinal. Encontrar a própria voz, colocar para fora esse turbilhão de sentimentos e contradições que inunda a alma humana. Ou pelo menos a de alguns.

Seja na literatura, na música, no cinema, onde for, não acredito ser possível fazer boa arte sem alma, sem paixão e sem alguma dose de angústia.

Bom exemplo é Vinícius de Moraes. Tônia Carrero traduziu perfeitamente a dinâmica do poeta ao perceber que a poesia dele dependia do precipício da paixão. De que outro jeito seria possível escrever algo assim? Amo-te como um bicho, simplesmente, de um amor sem mistério e sem virtude, com um desejo maciço e permanente. E de te amar assim muito amiúde, é que um dia em teu corpo de repente, hei de morrer de amar mais do que pude.

Qualquer coisa fora disso é só técnica, é intelecto, é racionalização, vaidade ou atividade comercial. Não acredito em arte feita como negócio, para vender simplesmente. 


Voltando ao filme, Kemp está bebendo em um pedalinho sob uma noite de lua cheia no mar do Caribe, entregue ao seu caos cotidiano, quando surge a espetacular Chenault (Amber Heard) nadando nua ao seu lado. Quando ela vai embora ele sentencia desamparado: Oh, Deus, por que ela tinha de aparecer? Eu estava tão bem sem ela!


Zé Mauro Nogueira



quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Rodo cotidiano


Costumo levantar cedo, durmo mal, e quando olho o celular, quase sempre já tem whatsapp em algum grupo repleto de ansiosos tentando parecer eficientes e dedicados a alguma coisa. Dá vontade de dizer sosseguem, vão dormir.

Isso já irrita um pouco o sujeito. Sei lá, acho que tem hora para tudo, nunca compactuei com essa coisa de que é cool ser workaholic. E lá se foram duas palavras em inglês na mesma sentença. Até eu? É disso que estou falando, o rodo te arrasta se você não ficar atento.

Não é que eu seja vagabundo, já trabalhei muito. E ainda trabalho, tem algumas coisas bem legais no que eu faço, embora a parte chata já seja bem maior. E aquilo que eu gosto, acho que faço bem feito.

Mas é que não estou mais tão interessado em provar que sou foda, isso ou aquilo. E anda me faltando paciência para lidar com essa turma pilhada que quer ser fodona o tempo todo, que acha que tem resposta para tudo, controle em tudo. Libertador dizer um redondo não sei, às vezes.

Melhor ainda é arrumar tempo para se fazer outras coisas de que se gosta. Ou nem fazer coisa alguma, só respirar e existir por uns instantes, aproveitar a solidão de ser. Muita pressão essa coisa de ter de fazer algo interessante o tempo todo ou estar com alguém sempre.

Às vezes prefiro só isso, uma dose de Bulldog com tônica e uma música bem alta para ouvir sozinho ... there must be some kind of way outta here, there´s too much confusion ...


Zé Mauro Nogueira