terça-feira, 27 de agosto de 2013

Choro de pai


Eu lembro bem que estávamos em plena olimpíada de Atenas, o time de vôlei masculino estava afinado, acabaria campeão olímpico. Ninguém tinha Facebook ainda, que, aliás, acabava de ser criado, mas ninguém conhecia (bons tempos!). E eu me recuperava de uma infecção hospitalar que me deixou onze dias internado e me reduziu a pele e osso.

Tinham se passado quase nove meses desde aquela tarde de verão em que o teste de gravidez de farmácia tinha dado positivo. Era uma quinta-feira, me lembro bem. No início da noite fomos procurar a obstetra porque Camila estava sentindo algo estranho. Ela não sairia mais do hospital aquela noite.

Voltei pra casa para pegar as coisas e a família foi convocada. Assim como o anestesiologista, o tranquilo amigo Dr. Adelmaro que, para meu desespero, repetia a cada telefonema: estou chegando, estou chegando!

Tinham se passado apenas 10 minutos da meia noite, já era 27 de agosto. Levei um susto quando vi, custei a entender. Bem, era uma coisinha branca, silenciosa. Levei uns segundos para entender que era meu filho, seguro pelos pés, de cabeça pra baixo.

Em segundos experimentei as sensações mais fortes de toda minha vida. Primeiro, a pancada que é VER que tem um filho. Deus do céu, um filho! Jamais esquecerei o que senti, embora não tenha conseguido nunca transformar isso em palavras. Mas, como vem tudo junto mesmo, instantes depois eu já estava às voltas com o medo de perdê-lo. Eu não entendia porque tinham todos se debruçado sobre ele, com movimentos e expressões de gravidade. Na minha cabeça, ele estava morrendo naquele berço. Não sei quanto tempo se passou naquilo, mas foi a espera mais longa e difícil da minha vida. Até que ele chorou e todos retomaram a expressão de tranquilidade. Meu corpo tinha espasmos musculares de tanta tensão e emoção. O garoto custou a respirar e quase me mata do coração.  Nem bem chegou e já tinha me mostrado que eu nunca mais seria o mesmo.

Quando saí da sala de cirurgia, abracei e parabenizei os avós e tios presentes e depois fui para um canto de sala. Sentei em algum lugar e desabei. Chorei como nunca me lembro de ter chorado antes na vida. Nem depois. Um choro de felicidade, de plenitude, de medo, de alívio. O primeiro choro de pai.

Hoje Pedro completa 09 anos.

Zé Mauro Nogueira

terça-feira, 13 de agosto de 2013

A danada da nossa natureza


Todo mundo sabe a fábula da rã e do escorpião, né? Aquela em que o sacana do peçonhento ferra o anuro no meio do rio, matando ambos, porque não conseguiu controlar sua natureza. Esse dilema é uma das grandes questões humanas.

Fritz Perls, também no campo metafórico dos animais, falou da águia e do elefante. Cada um se realiza sendo exatamente o que é. Que absurdo seria o elefante querer voar, fazer ninhos e botar ovos; e que tristeza seria a águia querer ter tamanha força e pele grossa.

Assim deveriam ser os seres humanos. Deveríamos aceitar a nossa própria natureza. Nem apenas aceitar, deveríamos valorizar a nossa natureza, tirando proveito de nossas qualidades e dando um pouco menos de valor às nossas limitações.

Um exemplo? Já imaginou eu fazendo força para ser sociável e simpático como o Daniel, o amigo insuportável personagem do texto abaixo? Não ia funcionar, ia ser falso, eu só iria ficar frustrado e talvez afastasse todo mundo de vez. Não, não tem jeito, eu sou mesmo é esse sujeito arredio, seletivo e desconfiado, mas fiel, generoso e cuidadoso com quem passa no meu crivo. Bom ou mau, sou quem eu sou.

O Caetano diz numa música uma grande verdade: “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. E isso vale para qualquer um. Há dor e gozo em cada jeito de viver e se posicionar no mundo.

Não quero dizer com isso que devamos abrir mão de buscar evolução e sabedoria. Síndrome de Gabriela (eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim) também não vai fazer ninguém feliz. E conhecer a si mesmo, seus maiores medos e anseios, é talvez o melhor caminho para mudar comportamentos, sem, com isso, tentar mudar a essência. Pelo contrário, conectar-se cada vez mais com ela.

Muitas vezes nossas atitudes são mecanismos neuróticos de autoproteção, fruto de medos e dificuldades de travar contato com certas vivências. Medo de sentir dor, medo de ser rejeitado, medo da solidão, enfim, há sempre o que apavore o ser humano e o faça agir defensivamente, ainda que isso signifique sabotar a própria felicidade, a própria natureza.

Seja como for, só resta uma certeza: ninguém é igual a ninguém. E se é tão difícil para cada um aceitar a si mesmo, imagina aceitar o outro? Por isso é tão fácil confundir os sentimentos, mas isso já é outra história.

Zé Mauro Nogueira



segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Daniel - amigo


               Se há uma coisa que me aborrece no trabalho é neguinho se metendo na minha área. Vai muito além da mera convicção sobre a importância do respeito à liderança. Deve ser mesmo coisa de cara chato.

                Eu trabalhava na Unimed, à época buscando certificação ISO, invadida por consultores especialistas em política da qualidade. Tem quem goste. Um belo e ordinário dia, escuto da minha assistente que ela havia mudado uma orientação minha porque um desses intrometidos, chamado Daniel, havia sugerido. Pedi imediatamente a presença dela e desse sujeito na minha sala. Emburrado que eu era (?), voltei minha artilharia verbal contra os dois. Da forma menos amigável possível dei meu recado, que pode ser resumido facilmente assim: “quem manda nesta merda sou eu”. E fim de reunião. Um desafeto a mais, pensei.
                Para minha surpresa, o almofadinha me chama para tomar uma cerveja. Han? Não entendi nada, mas gostei menos ainda do camarada, cara de pau, depois da demonstração inequívoca de antipatia que eu dei? Isso já é afronta. Resolvi sacar qual era a do forasteiro metido a superior.

                Isso deve ter uns cinco anos, no mínimo. O Daniel é mesmo um cara insuportável, daqueles que é amigo de todo mundo, cheio de generosidade e desapego, o típico cara “legal”, que vive dando lições em sisudos como eu, enfim, argh! O maluco já se mandou daqui tem um tempão, atrás dos filhos, e as filosofais conversas regadas a cerveja e whisky continuam fazendo falta.

                Zé Mauro Nogueira