segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Pedro - filho



Confesso que só entendi no exato segundo em que o vi pela primeira vez, a médica segurando-o pelos tornozelos, ainda quieto. Tava todo melado de um negócio, meio branco, ainda por cima deu trabalho pra respirar, o preguiçoso. Ali, naquele exato segundo, percebi: fudeu!

Daquele instante em diante dediquei toda a energia de minha alma para construir a melhor relação possível entre pai e filho. Mesmo nos momentos mais sofridos da precoce separação, juntava meus cacos para ter meu tempo com ele, dar comida, dar banho, trocar fraldas, brincar, sem empregadas, sem babá. Só eu e ele numa casa improvisada.

Eu não tinha tido um pai presente, então, custasse o que custasse, meu filho teria um pai em sua vida. E seria eu mesmo. E se há uma coisa que eu não desejo nem para um filho de uma égua, é uma separação com filho pequeno.

Um dia, ele já crescidinho, com uns 05 anos, estou eu no meio de uma reunião quando recebo um chamado para ir às pressas para a escola dele. Pedro caiu e estava com o braço aparentemente quebrado.

Quando chego lá, ele está deitado em uma sala de aula, rodeado por professoras e pela mãe, braço inchado, cara de choro, mas sem chorar. Ele mesmo me diz o que aconteceu e avisa que está esperando a ambulância. Está tenso, com dor, mas mantém uma postura calma, dando a impressão de que tenta nos poupar de maiores preocupações.

Quando o SOS Unimed chega, é constatada a fratura do braço direito, que é logo imobilizado. Eu tentava aparentar calma também, mas por dentro estava uma pilha de nervos. A paramédica informa que ele irá para o hospital e que só um dos dois, a mãe ou o pai, pode ir na ambulância com ele. 

Nem pestanejei, olhei para a Camila e disse: “Pode ir, eu vou seguindo de carro”. Sempre acho que as mães têm prioridade nessas horas. 

Aí, para espanto geral e para ficar marcado como um dos momentos mais emocionantes da minha vida, ele fala baixinho: “Não, quem vai comigo é o meu pai”. Jamais vou esquecer o que senti ali.

Durante muito tempo me emocionei contando essa história. Não por achar que ele me amasse mais do que à mãe dele, de jeito nenhum. Mas por ter tido a certeza de que tinha conseguido construir, com muita dedicação e amor, uma relação verdadeira de amizade e confiança com meu filho.

Hoje, Pedro completa 08 anos.

Zé Mauro Nogueira



quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Jarbas - amigo

Eu ia fazer treze anos quando fui morar em Gaspar (SC), pertinho de Blumenau. Tinha trocado a indígena Belém por uma pequena e conservadora cidade alemã e nada poderia ser mais estranho. Meu sotaque, minha cor, meus cabelos desgrenhados e compridos, meu pai que morava com a então mulher e uma ex na mesma casa, enfim, eu era quase uma atração circense.

O que salvou foi o futebol e acabei fazendo alguns amigos. Entre eles o Jarbas, um alemão sardento e baixinho, completamente doido que, por alguma razão, foi com a minha cara. Além de jogar bola e experimentar todo tipo de bebida alcoólica, o que mais nos interessava era passar a mão na bunda das meninas e tentar beijá-las em qualquer ocasião minimamente favorável. Como diria Chico Buarque, os pais delas não gostavam da gente.

Um dia ele chega e dispara: Negão, tô com dinheiro, vamos para Itajaí ver os jogos abertos? Pegamos o ônibus e fomos sem avisar ninguém. Lá pelas 22h, quando chegou a hora de voltar, notei que ele desconversou, ficou esquisito, eu sabia que tinha coisa errada. O maluco só tinha o dinheiro da ida. Frio, fome, sono e a 40km longe de casa.

Nem lembro o que pensamos ou porque fomos parar na entrada do porto de Itajaí, mas, sentados lá, aconteceu uma das coisas mais estranhas da minha vida: desceu um cara cabeludo de um táxi, falou qualquer coisa em “russo” e acabou nos dando uma graninha. Quando amanheceu pegamos o primeiro ônibus de volta a Gaspar.

Recentemente, lembrando dessa história, tive a ideia de tentar achar o paradeiro do Jarbas quase 30 anos depois. Tristeza e profunda reflexão se seguiram à descoberta de que meu amigo perdido de infância se tornou paciente psiquiátrico. Só que agora não é de brincadeira. O que alivia é que, algumas vezes quando penso nisso, ainda acho que o maluco sou eu.

Zé Mauro Nogueira