sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O espírito do natal



Começam as festinhas das empresas e os infames amigos secretos, aquelas brincadeiras onde você dá um presente legal e acaba saindo com alguma coisa horrorosa como, por exemplo, um livro do Augusto Cury ou o DVD do show em homenagem à princesa Diana.

É hora das mulheres desfilarem seus vestidos novos e dos homens nutrirem vã esperança de pegar aquela colega gostosa num final de festa descuidado. Resenha garantida. Frustrações também.

Mas é natal e o espírito natalino tudo releva. Hora de abraçar aquele falso que trabalha com a gente e desejar tudo de bom, de rir “sinceramente” para o chefe e de ajudar o vizinho no elevador a carregar o peru e a farofa. É a cantada e festejada magia de natal, a la Charles Dickens. Uns acreditam, outros não. Eu sou tentado a acreditar, porque me lembra uma história já contada, mas inédita neste blog.

Era o natal de 1984, o último em que minha mãe fez, ela mesma, aqueles biscoitos natalinos em forma de estrela e decorados com açúcar colorido. Morava em Itajaí, num bairro meio afastado naquela época, o São João, que graças ao crescimento urbano, hoje é quase o centro da cidade.

Já com 16 anos, só cabelo, osso e catinga, eu era apaixonado pela Juliana, uma menina de 13 anos que morava no outro lado da rua. Linda, cabelos acastanhados, lisos e compridos, olhos verdes, um corpaço para uma garota daquela idade.

A paquera se resumia a ficar horas na janela esperando que ela surgisse na varanda. Então, dava sempre um jeito de chamar a atenção, quase sempre fazendo algo ridículo, como arrancar de mobilete acelerando ao máximo, curvado feito um anzol e deixando para trás um autêntico olhar 43. Óbvio que nada poderia acontecer desse jeito. No máximo um oi e um sorriso quando cruzava com ela a caminho da padaria, o que era suficiente para me deixar suando frio e com as pernas bambas.

Ao se aproximar o final de ano, além das férias escolares e da propaganda do Banco Nacional (“quero ver você não chorar, não olhar pra trás ... um natal, um feliz natal, muito amor e paz pra você”), chegou também uma devastadora catapora. Estouraram bolhas por todo o corpo, repito, todo! Um ogro faria o papel de galã da novela das 8 se a escolha se resumisse a ele e eu. Era um filhotinho de cruz-credo.

Não havia alternativa. Precisava ficar escondido em casa aos cuidados pajelísticos da minha mãe, que, talvez, fruto de suas raízes maranhenses, me enchia de polvilho embebido em sei lá o que para aliviar a maldita coceira. Acabei me deixando levar por todo aquele clima de natal, biscoitos decorados, propagandas emotivas, doença e feiúra. No rádio o Lobão gritava Me Chama e embalava as dores de um final de ano de clausura e de uma adolescência tirana. Não podia ver a minha paquera e não poderia deixar que ela me visse. Não naquele estado.

Então, na véspera do natal, no meio de uma tarde sufocante do verão catarinense, aconteceu o horror! Estava eu na parte de cima da casa, sem camisa, cheio de gases molhadas pelo corpo, esquálido e descabelado, quando ouço a minha mãe me chamar. O tom de voz era aquele que as mães usam sempre que se sentem orgulhosas dos filhos, exatamente às vésperas daquilo que, para eles, certamente será um vexame. Senti um frio na espinha, que desgraça aquele chamado estaria anunciando?

Em segundos ela defere a sentença: “tem uma pessoa aqui querendo ver você”. Pânico. Antes que eu pudesse pelo menos ir ao espelho para uma ilusória retocada no meu aspecto grotesco, vi minha musa Juliana subindo as escadas em direção ao meu quarto. Não sabia se pulava da janela ou engolia de volta um coração que, ele, sim, sem hesitar, já havia saltado da minha boca.

Entrou com aquele perfume característico das mulheres por quem estamos apaixonados. Sorriso no rosto, short curtinho, um leve bronzeado de início de verão, sentou-se ao meu lado, na cama. Eu estava absolutamente surpreso, fascinado e embasbacado.

Ao final de, no máximo, 10 inesquecíveis minutos de ”conversa”, ela havia ido embora, deixando em minha alma um rastro de encanto e miserabilidade que só mesmo as grandes paixões juvenis podem despertar.

Sua beleza era quase um insulto à minha aparência. Sua segurança era uma afronta à minha incapacidade de construir ao menos uma frase sem gaguejar. E sua decisão inexplicável de me dar um demorado beijo apaixonado, foi a maior prova de que esse tal de natal é mesmo mágico, capaz dos maiores milagres.


Zé Mauro Nogueira

6 comentários:

  1. Ainnnnnnn ri, fiquei emocionada e adoreiiii!!!

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  2. "(...)fazendo algo ridículo, como arrancar de mobilete acelerando ao máximo, curvado feito um anzol e deixando para trás um autêntico olhar 43". Muito hilária essa passagem!

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  3. hummm, Juliana de novo...rsrrs

    Brincadeiras a parte....me emocionei com o texto de novoooo!!!!!!!!!!

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