terça-feira, 13 de agosto de 2013

A danada da nossa natureza


Todo mundo sabe a fábula da rã e do escorpião, né? Aquela em que o sacana do peçonhento ferra o anuro no meio do rio, matando ambos, porque não conseguiu controlar sua natureza. Esse dilema é uma das grandes questões humanas.

Fritz Perls, também no campo metafórico dos animais, falou da águia e do elefante. Cada um se realiza sendo exatamente o que é. Que absurdo seria o elefante querer voar, fazer ninhos e botar ovos; e que tristeza seria a águia querer ter tamanha força e pele grossa.

Assim deveriam ser os seres humanos. Deveríamos aceitar a nossa própria natureza. Nem apenas aceitar, deveríamos valorizar a nossa natureza, tirando proveito de nossas qualidades e dando um pouco menos de valor às nossas limitações.

Um exemplo? Já imaginou eu fazendo força para ser sociável e simpático como o Daniel, o amigo insuportável personagem do texto abaixo? Não ia funcionar, ia ser falso, eu só iria ficar frustrado e talvez afastasse todo mundo de vez. Não, não tem jeito, eu sou mesmo é esse sujeito arredio, seletivo e desconfiado, mas fiel, generoso e cuidadoso com quem passa no meu crivo. Bom ou mau, sou quem eu sou.

O Caetano diz numa música uma grande verdade: “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. E isso vale para qualquer um. Há dor e gozo em cada jeito de viver e se posicionar no mundo.

Não quero dizer com isso que devamos abrir mão de buscar evolução e sabedoria. Síndrome de Gabriela (eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim) também não vai fazer ninguém feliz. E conhecer a si mesmo, seus maiores medos e anseios, é talvez o melhor caminho para mudar comportamentos, sem, com isso, tentar mudar a essência. Pelo contrário, conectar-se cada vez mais com ela.

Muitas vezes nossas atitudes são mecanismos neuróticos de autoproteção, fruto de medos e dificuldades de travar contato com certas vivências. Medo de sentir dor, medo de ser rejeitado, medo da solidão, enfim, há sempre o que apavore o ser humano e o faça agir defensivamente, ainda que isso signifique sabotar a própria felicidade, a própria natureza.

Seja como for, só resta uma certeza: ninguém é igual a ninguém. E se é tão difícil para cada um aceitar a si mesmo, imagina aceitar o outro? Por isso é tão fácil confundir os sentimentos, mas isso já é outra história.

Zé Mauro Nogueira



13 comentários:

  1. Ler este texto dá até medo....de tanta verdade que diz...de tão desnuda que fico.

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  2. De perto ninguem é normal, e tanto o sujeito sociavel quanto o introvertido sentem medo da rejeicao.

    Belo texto Ze!

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  3. Lindamente insuportável! Rsrsrs
    Bem você! Amei o texto.

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  4. Sensacional essa análise. Desde que o Vinícius nasceu (meu filhote com síndrome de Down), percebi que ser diferente é normal. Viva a diferença! Posso inferir que essa ''simpatia'', essa ''generosidade'', esse ''desapego'' ao qual ele se refere sobre mim vem muito disso. Tudo bem, temos tendências genéticas e ontogênicas de reagir de forma diferente frente aos fatos. Uns mais tolerantes, outros menos. Normal. Tão normal que posso afirmar (não inferir) que me identifico e admiro quem difere de mim. Mais do que isso, aprendo com quem age num outro modus operandi. O Zé Mauro me ensinou a me comportar no mundo corporativo. No mundo afetivo (com ressalvas) e no mundo espiritual. Sua alma inconformada nos ensina que ''cada um sabe a delicia de ser o que é'', como ele bem parafraseou. Obrigado amigo.

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    1. Valeu, velho ... cuidado pra não deixar a gravata te enforcar, o mundo corporativo, público ou privado, é um grande moinho!

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  5. É isto aí. O nó, meu caro, é descobrir a tal da natureza interior. Passamos a vida, alguns de nós, tentando descobrir, mas volta e meia caímos em falsas auto-imagens e nas miragens que isto acarreta. Uma coisa ajuda muito: não se levar muito a sério e perceber que o tempo passa e coisas muito simples, como tomar uma cerveja com um amigo, valem mais que grandes conquistas e reconhecimento alheio.

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  6. Aguardando já "a outra história" dita nas últimas palavras do texto. Que venha logo "a confusão de sentimentos". rsrsrs

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  7. Valeu Zé, gostei de cada palavra. Um grande abraço, Nelson

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  8. Oi Zé! Adorei! Simples, profundo e reflexivo. E como o Jaime diz, "o nó,.., é descobrir a tal da natureza interior." Ah! e tomar uma cerveja (ou vinho) com um amigo também está valendo. Até!

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